Braços cruzados, bolso vazio

Supremo decide que servidor em greve deve ter o ponto cortado já no primeiro dia de paralisação

Manifestação. Grevista protesta no Centro do Rio: decisão do STF, por 6 votos a 4, admite exceções se paralisação for motivada por atraso de pagamento ou se ficar provado que o empregador sequer tentou negociar com a categoria

No momento em que centrais sindicais organizam paralisações, o STF decidiu, por 6 votos a 4, que o poder público tem o dever de descontar os dias parados do salário do servidor em greve desde o primeiro dia do movimento. Todos os ministros reconheceram a legalidade da greve no serviço público, mas venceu a tese de que o Estado não deve pagar por um serviço que não foi prestado. A regra deve ser aplicada por juízes de todo o país. -BRASÍLIA- Por seis votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o poder público tem o dever de descontar os dias parados do salário do servidor em greve desde o primeiro dia do movimento. Embora todos os ministros concordem que a greve no serviço público é permitida, a maioria ponderou que o Estado não deve pagar por um serviço que não foi prestado. A ação tem repercussão geral, ou seja, a decisão do Supremo deve ser aplicada por juízes de todo o país no julgamento de processos semelhantes.

A Corte admitiu exceções à regra. Se a greve tiver sido motivada por atraso do empregador no pagamento de salários ou se ficar comprovado que o poder público não fez esforço algum para negociar com a categoria, a Justiça poderá decidir que o trabalhador tem direito a receber parte dos dias parados.

O STF também incluiu na decisão a possibilidade de compensação dos dias parados sem o corte dos vencimentos, desde que a categoria e o empregador cheguem a esse acordo. Essa alternativa seria fundamental, por exemplo, nas greves de professores universitários. Sem um acordo de compensação, os alunos ficariam prejudicados, porque perderiam todo o semestre letivo.

MOBILIZAÇÃO PARA GREVE GERAL

A decisão do Supremo acontece num momento em que entidades sindicais ligadas ao PT começam a se mobilizar para fazer paralisações e têm planos de organizar uma greve geral no país. Já há dois dias programados de manifestações nesse sentido: em 11 e 25 de novembro. O movimento comandado pela CUT é contra as medidas adotadas pelo governo Temer de corte nas despesas da União, como a aprovação da PEC que cria teto para gastos públicos, a chamada PEC 241.

Formaram a maioria no STF os ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Luiz Fux e a presidente, Cármen Lúcia. Eles fixaram uma tese para servir de parâmetro aos juízes na análise de processos sobre greve no serviço público.

“A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do próprio poder público”, declarou o tribunal.

Por outro lado, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski defenderam o direito de greve dos servidores públicos com o recebimento dos salários. Eles ponderaram que o direito à greve está previsto na Constituição e, sem receber os vencimentos, os trabalhadores ficariam impedidos, na prática, de exercer esse direito. O corte de ponto seria possível apenas se a Justiça declarar a ilegalidade do movimento específico. O ministro Celso de Mello não participou do julgamento.

O julgamento começou em setembro 2015 com o voto do relator, o ministro Dias Toffoli. Ele argumentou que a Constituição Federal dá o direito de greve ao trabalhador, mas não garante que esse direito seja exercido com o pagamento do salário correspondente aos dias parados. A sessão de hoje começou com o voto de Barroso no mesmo sentido. Ele criticou as greves alongadas no serviço público com consequente prejuízo para a população. Para o ministro, cortar o ponto do trabalhador é uma medida necessária para coibir a prática.

— É preciso desestimular greves prolongadas no serviço público, porque o não corte de ponto faz com que greves em setores importantes para a população mais carente se prolonguem indevidamente — disse Barroso, completando: — A posição não é de intolerância em relação ao servidor, é de desestimular a greve no serviço público. Três meses de greve no INSS produz um efeito devastador para a população.

Gilmar Mendes criticou greves longas, como a dos peritos do INSS, e o prejuízo que elas provocam à população.

— Ficar quatro meses em greve é razoável? Alguém é capaz de dizer que isso é lícito? A greve dos peritos do INSS causa um tumulto enorme. Tem o direito essas pessoas de terem salário assegurado? Isso é greve, é férias, o que é isso? Isso não ocorre no âmbito do Direito privado — protestou Gilmar.

ALTO CUSTO PARA O PODER PÚBLICO

Os ministros ponderaram que a greve tem um custo alto para o poder público, se não houver o corte do ponto.

— Eu reconheço o direito de greve. O que nós estamos decidindo aqui é quem vai pagar por ele. A greve às custas do outro não me parece ser ideal para desestimularmos essa prática no setor público — ponderou Barroso. Teori Zavascki concordou: — Não vejo na Constituição assegurado o direito de greve com pagamento de salário. Isso não está na Constituição e não está na lei.

Os ministros que defenderam o direito de greve sem o corte imediato do ponto argumentaram que a Justiça deve balizar a questão, declarando antes se a paralisação é ilegal ou não.

— Os vencimentos são devidos até que o Judiciário diga que a greve é abusiva — disse Lewandowski.

O ministro Marco Aurélio disse que “a greve é o último recurso do prestador dos serviços”:

— Eu não posso agasalhar o desconto imediato dos salários para obstaculizar o exercício do direito constitucional de greve. Ele entra em greve porque tem direitos espezinhados pelo tomador dos serviços. O trabalhador, em geral, não tem fôlego econômico e financeiro para exercer esse direito constitucional.

CENTRAIS SINDICAIS CRITICAM DECISÃO

As duas maiores centrais sindicais do país, a Força Sindical e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), criticaram ontem a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de obrigar o poder público a descontar os dias em greve de servidores.

O secretário-geral da Força, João Carlos Gonçalves, o Juruna, lamentou que mudanças nas leis trabalhistas estejam sendo feitas pelo Judiciário. Na opinião dele, a decisão do Supremo deixa os funcionários públicos sem opção para pressionar o governo a começar a negociação de reajustes salariais, por exemplo, já que, ao contrário de quem trabalha no setor privado, a categoria não tem data-base.

— É uma pena que a reforma trabalhista esteja sendo feita pelo Supremo e não a partir de um debate mais amplo no Legislativo e no Executivo envolvendo os trabalhadores — avaliou Juruna, lembrando outras duas decisões recentes do STF: a rejeição à desaposentação e a suspensão de processos da Justiça do Trabalho baseados em direitos de acordos coletivos vencidos.

Para o secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, a decisão é “absurda” porque ameaça o direito de greve. De acordo com ele, a questão sobre descontar ou não os dias em greve deve fazer parte da negociação entre os servidores e poder público ao final do período de paralisação.

— Numa sociedade que tem democracia e que o direito de greve é respeitado, pagar ou não os dias parados é objeto de negociação. Só um país totalitário, com uma visão de criminalizar as relações sociais, não deixa a sociedade se auto-organizar e tomar esse tipo de decisão — afirmou Nobre.

Perguntas e respostas

– A decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal proibiu a greve no serviço público?

– Não. A greve no setor público já era admitida, embora não haja lei específica para regulamentar o assunto. O que o STF reconheceu foi que, no caso de paralisação, o órgão público está autorizado a descontar os dias parados.

– Em que momento o poder público pode iniciar o desconto no salário dos servidores em greve?

– A decisão dos ministros do Supremo estabeleceu que o desconto pode ser feito desde o primeiro dia de greve. A maioria dos ministros entendeu que o Estado não precisaria pagar por serviços não prestados pelos grevistas.

– A decisão para corte do ponto pode ser relativizada pela Justiça? Há exceções ?

– Sim. Se houve indicativo de que a greve foi motivada por falta de pagamento de salários ou em caso de o chefe do órgão público ou o governo se negar a negociar com os trabalhadores, o juiz pode entender que nem todos os dias da paralisação poderão ser descontados.

– Há punição alternativa para servidores em greve, além do corte de ponto?

– Sim. O Supremo Tribunal Federal entendeu que governo e servidores em greve podem negociar a reposição dos dias parados, sem que haja desconto do ponto. Essa opção, segundo ministros do STF, é importante principalmente no caso de greve na rede de ensino para não prejudicar ainda mais os estudantes.

– Qual a abrangência da decisão do Supremo Tribunal Federal?

– A decisão vale para greves no setor público nas três esferas: funcionalismo federal, estadual e municipal. Todos os juízes que tiverem, a partir de agora, processos relacionados a paralisações no setor público deverão seguir o entendimento definido pelos ministro do Supremo.

FONTE: Jornal O GLOBO

 

 

 

Previdência Social