REFORMA DOS BARNABÉS

Por Paulo César de Souza (*)

Nós, servidores públicos federais, concursados, comprometidos com o estado brasileiro, já fomos chamados de marajás, de vagabundos, de fantasmas, de parasitas e de barnabés (ganha o necessário para o cigarro e o café) e de marias candelárias.

Cada governo que se instalou no país quis deixar sua marca em cima dos servidores, unidos num só propósito: o de reduzir as conquistas constitucionais e os direitos sociais, obtidos com muito suor.

Para isso, recrutam pessoal sem o mínimo conhecimento do serviço público para fazer uma reforma, jogando para a arquibancada e colocando o servidor no olho do furacão.

Três situações do passado recente merecem ser lembradas:

  1. Acabar com os pobres do serviço público federal com o cretino argumento de que se aposentariam com o último salário. Objetivo: terceirizar pessoal para fazer o que os servidores faziam.

  2. Instituir gratificações fajutas de produtividade. Objetivo: essas gratificações não seriam incorporadas nas aposentadorias.

  3. Instituir os servidores de 1ª classe, como “carreiras típicas de estado”, incorporando todas as vantagens em subsídio. Objetivo: ampliar a terceirização e instituir uma 2ª classe de servidores, terceirizados ou temporários e acabar com o concurso público.

Há quem afirme que temos muitos servidores, baixa produtividade e péssimos serviços. Se esquecem da dimensão continental do país, com 5.700 municípios, 202 milhões de seres humanos, com renda per capita baixa e níveis educacional e cultural não expressivos, política econômica e fiscal, decepcionante! Se esquecem que os governos não tem programas, não dão continuidade a projetos e fraudam a gestão pública com a corrupção incontrolada e desperdício de recursos públicos.

A última reforma administrativa se anunciava terrível. Os liberais são contra o estado e a favor do capital. Queriam um estado sem servidores, com tudo virtual e remoto, no rastro da Tecnologia da Informação-TI. Queriam sacrificar servidores ativos e inativos em nome do controle de gastos e redução de despesas. Não falam e nem combatem os ralos da corrupção avassaladora.

Temendo seus efeitos eleitorais perversos, o Presidente limitou a reforma aos futuros servidores, punindo o estado e os cidadãos, que com uma ultrajante ressalva estariam fora da reforma, isto é, a cúpula do Executivo (integrantes das carreiras de estado), Judiciário, Legislativo, Ministério Público e Militares.

No Executivo, um terço dos servidores estão a salvo, como auditores fiscais, procuradores, diplomatas, professores com mestrado e doutorado, técnicos de planejamento, orçamento, finanças, controladoria e auditoria.

Os concursos foram implodidos e além dos terceirizados, os temporários seriam selecionados por avaliação simplificada. Essas são as novas armadilhas usadas para desmontar a contratação por concurso e mérito e assim facilitar o aparelhamento da máquina pública por políticos e empresas com interesses obscuros.

Eis as principais mentiras assacadas para justificar a reforma que dificilmente será aprovada no Congresso:

MENTIRA nº 1: O Brasil tem muitos servidores públicos. Não é verdade. Em levantamento feito pela OCDE, de 30 países analisados, o Brasil foi apenas o 26º em relação ao número de servidores. Temos apenas 12% da população ocupada, trabalhando no serviço público, número menor que o de países como Reino Unido (23.5%), África do Sul (17%) e Portugal (16%).

MENTIRA nº 2: Todo servidor ganha muito. A mídia às vezes distorce os dados mostrando exemplos de salários exorbitantes como se fossem a regra. A verdade é que, dos servidores do Poder Executivo, metade ganha menos que R$ 2.589 e a grande maioria (75%) ganha menos que R$ 4.621. Os salários mais elevados estão no Poder Judiciários e no Poder Legislativo. Agora, observe que as medidas de cortes de gastos do Governo Federal sempre deixam de fora justamente esses mais privilegiados.

MENTIRA nº 3: Divulga-se que os servidores públicos ganham mais do que os empregados do setor privado. Geralmente, se compara o salário médio da população ocupada, mas essa comparação não é honesta. O serviço público, por se basear em concurso, tem uma quantidade maior de trabalhadores com ensino superior (49%, ante a 18,5% da população em geral) e assim a comparação é feita entre salários do nível superior com os de nível médio. Essa comparação precisa ser feita com os salários pagos a trabalhadores mais qualificados. Por exemplo, a média do salário do trabalhador brasileiro com ensino superior é de R$ 4.997, enquanto a média salarial dos servidores públicos é de R$ 4.205, valor esse até menor.

MENTIRA nº 4: As despesas com pessoal do governo estão fora de controle. Nunca excederam ao limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal! As despesas com pessoal e encargos da União se encontram hoje no mesmo patamar de 20 anos atrás (4,4% do PIB), como mostra o Atlas do Estado Brasileiro do IPEA. Esse valor chegou, inclusive, a ser menor de 2014 a 2016, no auge da crise econômica brasileira. Além disso, as despesas com servidores ativos federais representam apenas ¼ da receita líquida da União.

MENTIRA nº 5: Servidores têm reajuste automático. Essa vem sendo contada pelo sr. Paulo Guedes, o mesmo que disse que o dólar caro é bom porque antes as domésticas estavam viajando para a Disney. Enfim, não existe reajuste automático. Como em qualquer atividade, os trabalhadores do setor público podem pedir aumento, mas o patrão (Governo) não é obrigado a dar. Muito embora a Constituição estabeleça o reajuste anual, isto não vem sendo cumprido.

MENTIRA nº 6: Todo servidor tem aposentadoria integral. Desde a Emenda Constitucional 41/2003, os servidores que ingressaram no serviço público, não mais puderam se beneficiar com a aposentadoria com proventos integrais, já que muitos benefícios deixaram de ser incorporados. Além do que os aposentados, supostamente para cobrir o déficit fiscal, foram obrigados a pagar previdência, inusitado no regime previdenciário universal.

Nós servidores fomos sacrificados, ameaçados, desprestigiados, manipulados, mas a ampla maioria se sacrifica e carrega o país nas costas, como o coração na mão com dignidade, responsabilidade e competência, que é a herança que recebemos e transmitimos.

Paulo César Régis de Souza, vice-presidente Executivo da Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdência e da Seguridade Social – ANASPS.

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