Governo quebra a regra de aprovar aumento linear para o funcionalismo

Ano XVIII, Edição nº 1.445 – Brasília, 15 de Janeiro de 2016

Governo quebra a regra de aprovar aumento linear para o funcionalismo e concede percentual maior para carreiras típicas de Estado, incluindo militares, que terão 27,9%. Reajuste de servidor custa R$ 50 bi até 2019

Vera Batista, para o Correio Braziliense 06-01-2016

A folha de salários de servidores vai aumentar R$ 50 bilhões até 2019, diante dos reajustes acertados entre o governo e o funcionalismo. A estimativa inicial era de que o custo adicional seria de R$ 32,2 bilhões, mas a opção do Ministério do Planejamento de conceder  aumentos diferenciados exigiu a revisão das contas. Os gastos com a folha vão saltar de R$ 151,5 bilhões, em 2015, para R$ 201,5 bilhões quatro anos depois.

Os maiores beneficiados pela mudança de postura do governo foram os militares e as carreiras típicas de Estado, que terão reajustes médios de 27,9%, escalonados. No caso do carreirão, que pega a base do funcionalismo e agrega o maior número de pessoas, o aumento será de 10,8%, sendo a primeira parcela, de 5,5%, paga em agosto deste ano e outros 5%, em janeiro de 2017.  Esses servidores terão que abrir uma nova frente de negociação no ano que vem.

O aumento da fatura a ser arcada pelo governo se deu ao longo de seis meses. Como as carreiras de Estado, que engloba o Banco Central, o Tesouro Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), criaram dificuldades para o acordo, o Planejamento acabou cedendo. A promessa é de que, com a perspectiva de queda da inflação, os servidores passem a ter ganho real a partir de 2017. No acordo anterior, com a disparada do custo de vida, o poder de compra acabou corroído.

Em junho de 2015, o governo havia feito uma proposta de correção linear de 21,3% para todos os servidores, em quatro parcelas anuais, de 2016 a 2019. No entanto, a fraca popularidade da presidente Dilma Rousseff e a necessidade de angariar apoio da base aliada forneceram combustível para que a proposta fosse modificada.

Para a maior parte do quadro, que integra o chamado carreirão, o prazo foi reduzido para dois anos, com correção de 10,8%, em duas etapas. Mas, para as carreiras típicas de Estado, as mais bem remuneradas, o índice foi elevado para 27,9% no apagar das luzes de 2015, às pressas, com o reajuste dividido por quatro anos: 5,5% em 2016; 6,99%, em 2017; 6,65%, em 2018; e 6,31%, em 2019.

Negociação

Os projetos de lei prevendo os aumentos salariais foram encaminhados ao Congresso Nacional em 30 de dezembro. Na mesma data, foi enviada proposta de reajuste para as Forças Armadas. Cerca de 655 mil militares, que estavam insatisfeitos com uma correção escalonada de 25%, acabaram ganhando um incentivo a mais e vão receber os mesmos 27,9% ofertados às demais carreiras de Estado.

Em agosto, Genivaldo da Silva, presidente da Associação dos Militares da Reserva, Reformados e Pensionistas das Forças Armadas (Amarp), criticou o índice de 25% que vinha sendo negociado. “Vai ser o pior aumento para as Forças Armadas. Vai dar, em média, 6,25% ao ano em um país que tem inflação superior a 10%”, disse.

Segundo o Ministério da Defesa, o reajuste de 27,9% representa uma média e será escalonado. Serão dados aumentos maiores para as graduações do início de carreira e postos intermediários, variando de 24,39% a 48,91%. Com a correção, a remuneração bruta (incluindo gratificações) média dos oficiais generais, que, atualmente, vai de R$ 21,7 mil a R$ 25,4 mil, passará de R$ 27 mil a R$ 31,6 mil em 2019.

Promessas

Para o economista Demetrius Lucindo, consultor financeiro da Planner Corretora, há uma grande preocupação com o aumento de gastos públicos, sobretudo com a folha de pessoal. “Isso mostra claramente que o Brasil é um país fadado ao fracasso. Uma diretriz não tem validade sequer para seis meses”, criticou. Para Lucindo, o futuro poderá ser ainda mais sombrio. “Com a fuga dos investidores, pela falta de credibilidade do governo, a tendência é de valorização ainda maior do dólar frente ao real, inflação ascendente e geração zero de emprego”, reforçou.

No entender de Gil Castello Branco, especialista em finanças públicas da ONG Contas Abertas, “o governo é bom em fazer promessas, mas não em cumpri-las, especialmente quando se trata de gasto público”. O Planejamento terá que enfrentar um problema adicional em 2016. Servidores que tiveram aumentos menores devem fazer movimentos para se igualar aos demais. “Há uma pressão para que o governo corte despesas obrigatórias, mas o que temos visto é a ampliação desses gastos. Não será fácil explicar aos investidores como a folha do funcionalismo crescerá R$ 50 bilhões em quatro anos”, disse.

Despesas vão crescer

O bolo dos salários do funcionalismo pode estufar ainda mais, já que nem todas as carreiras típicas de Estado aceitaram a proposta do governo de reajustar os vencimentos em 27,9% em quatro anos.

Assinaram acordos, que começam a ser pagos somente em agosto de 2016, aproximadamente 1,1 milhão de servidores — cerca de 90% dos funcionários civis do Executivo. Mais ainda faltam nove categorias, ávidas por isonomia salarial: as carreiras da Receita Federal; da Polícia Federal; da Polícia Rodoviária Federal (PFR); do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit); os médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); os analistas de infraestrutura; os analistas de políticas sociais; os peritos federais agrários; e os diplomatas.

Luiz Boldens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), afirmou que os 27,9% são incompatíveis com a reestruturação da atividade, que vem sendo discutida há anos, sem que se tenha alcançado um acordo. Além disso, segundo ele, os aumentos propostos “não chegam a representar R$ 600 para o cargo de acesso da PF, ou R$ 900 para os especialistas em fim de carreira”. Os policiais, que recebem entre R$ 8 mil e R$ 16 mil, querem salários semelhantes aos dos servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), que têm, hoje, ganhos mensais de R$ 16 mil a R$ 30 mil.

Reivindicações

Segundo Vilson Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a proposta do governo decepcionou a classe. Na avaliação dele, ela “não repõe as perdas acumuladas, agrava a relação remuneratória com os demais fiscos e não contém medidas de efetiva valorização da categoria”. Ele destacou ainda que nenhum outro item da pauta de reivindicações dos auditores, como nova tabela remuneratória, indenização por trabalho nas regiões de fronteiras, separação dos cargos, criação de regimento interno da Receita e da lei orgânica do Fisco, teve encaminhamento favorável. (VB)

União gasta R$ 2,1 bi a mais com aposentados. Acréscimo nas despesas, até 2019, será provocado pela incorporação de gratificações no cálculo do valor dos benefícios da inatividade. Medida foi um dos pontos aceitos pelo governo na negociação salarial com os servidores em 2015

Vera Batista para o: CORREIO BRAZILIENSE – DF – ONLINE  06-01-2016

Depois que o governo fechou acordo salarial com os servidores federais, no fim de 2015, e permitiu a incorporação das gratificações (que representam cerca de 55% da remuneração total) no cálculo das aposentadorias, em três parcelas até 2019, analistas de mercado, já aflitos com o descompromisso da equipe econômica com o ajuste fiscal, ficaram ainda mais apreensivos. Eles garantem que a medida vai agravar o deficit do Regime Próprio de Previdência (RPPS) do funcionalismo, que atingiu R$ 67,4 bilhões em 2015, computados os dados até novembro.

O governo nega. Diz que a nova regra terá impacto praticamente nulo, já que o reajuste dos funcionários, pelo menos nos próximos dois anos, ficará abaixo da inflação projetada para o período – o que acabará reduzindo o gasto com aposentados. Afirma também que o novo modelo de aposentadoria, com a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), será capaz de manter o equilíbrio no futuro.

Nas contas do secretário de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, o governo terá que desembolsar quase R$ 2,1 bilhões, até 2019, para bancar a incorporação da gratificação de desempenho para 203 mil servidores. São 69 mil funcionários que já vestiram o pijama (R$ 1,37 bilhão) e 134 mil que vão se aposentar (R$ 700 milhões). Segundo Sandro Alex de Oliveira Cezar, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS), os aposentados, com a nova regra, vão receber, até 2019, três parcelas a mais de 16,6% nos contracheques.

Os cálculos são complicados, de acordo com Mendonça, porque a incorporação não é válida para todos os servidores. Apenas os que entraram no serviço público depois de 2001, momento em que foi criada a gratificação de desempenho, e passaram por cinco anos de avaliação, carregam o benefício para a aposentadoria. Posteriormente, uma mudança legal incluiu servidores que ingressaram até fevereiro de 2004.

O secretário fez questão de frisar que o dinheiro que irá para as 134 mil pessoas que ainda não se aposentaram não pode ser considerado gasto, do ponto de vista técnico. “Não é gasto, indiscutivelmente. Não haverá expansão de despesa, porque eles já recebem aquele valor na ativa”, disse Mendonça. Mas ele reconhece que a conta das aposentadorias ficará maior. “O governo pouparia dinheiro (se não houvesse a incorporação). Em nossas estimativas, até 2019, pouparíamos R$ 700 milhões, nesse grupo de 134 mil”, assinalou.

De acordo com Renato Follador, consultor em previdência e finanças, é óbvio que a incorporação aumentará as despesas a curto e a médio prazos – e poderá prolongar seus efeitos por 25 a 30 anos. “O deficit será tão mais elevado quanto maior for o percentual de incorporação e a quantidade de pessoas beneficiadas”, destacou. Para ele, não poderia haver pior momento para abrir os cofres, por mais justa que seja a medida.

“Como se pode fazer isso em uma hora em que o Brasil perdeu o selo de bom pagador e está diante de uma crise sem precedentes? O governo propõe a reforma das regras do INSS, que vai reduzir benefícios para a sociedade, e faz o contrário com seus servidores. Isso repercute muito mal entre a população, e também nos organismos financeiros internacionais e agências de risco”, afirmou Follador.

O advogado Nazário Nicolau Maria Gonçalves, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), disse que a incorporação elimina uma injustiça. “Muitas vezes, o governo dava aumento na gratificação, e não no vencimento básico, para burlar a aposentadoria. Fez bem em corrigir isso. Mas não agora”, disse. Para Gonçalves, a medida interferirá no ajuste fiscal. “O ajuste não pode ser feito em cima de direitos, mas em gastos desnecessários. O problema do país não são os servidores. É a má gestão”, afirmou.

Previdência Social