A reforma da previdência

Depois de muito ensaio, o governo Temer encaminhou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da previdência ao Congresso Nacional.  Prometeu fazer uma revisão ampla e irrestrita, entretanto, de saída deixou de fora os militares e os políticos. Exclusão injustificável, pois os dois grupos estão entre os mais caros edeficitários do sistema previdenciário do país. Aliás, o déficit previdenciário seria o argumento que justificaas mudanças na área. Mas até que ponto o déficit, cantado e decantado por governantes e governados, estudiosos e curiosos, é verdade?

O discurso da reforma da previdência está na ponta da língua dos formuladores de políticas públicas. Alega-se que a população brasileira está envelhecendo e que a relação trabalhador/aposentado é insustentável. O resultado seria um déficit crescente da previdência, um “rombo” nos cofres públicos. São meias verdades, passíveis de questionamento e muita discussão. A rigor, não existe um orçamento específico da previdência social e não há receitas “carimbadas” somente para os programas previdenciários.

A Constituição Federal prevê um orçamento para a seguridade social e não apenas para a previdência social. É importante fazer essa distinção para conhecer as receitas que compõem o “bolo” de recursos financeiros que é distribuído entre os programas de saúde, assistência social e previdência social, integrantes da seguridade social. E, nesta perspectiva, estudos científicos mostram que o sistema de seguridade social do país é superavitário e não deficitário.

Na tese de doutorado “A farsa chamada déficit da Previdência”, a economista Denise Lobato Gentil (UFRJ) denuncia a “existência de um ‘cálculo distorcido’ pelo mercado financeiro, que rasga a Constituição ao transformar em déficit a parte da contribuição previdenciária reservada à União. ”  Segundo a pesquisadora, “quando a União participa do custeio da seguridade social,obtém-se um superávit de R$ 68 bilhões em 2013 e R$ 56 bilhões em 2014”. Para a estudiosa, “não é correto afirmar que a previdência social é deficitária”. Ainda que a folha de pagamento dos trabalhadores seja a principal fonte de financiamento previdenciário, há despesas que deveriam ser custeadas por tributos em geral, como as aposentadorias rurais. No entanto, mais de 90% dessas despesas não têm origem de recurso no orçamento da União. O propalado déficit previdenciário seria mais obra de ficção do que verdade! Atenderia interesses escusos e menos nobres como o pagamento de juros extorsivos a banqueiros internacionais e abertura de espaço para o mercado de previdência privada.

Não obstante, conservadores e reformistas reconhecem que é preciso rever alguns pontos da Lei de Benefícios da Previdência. É louvável a iniciativa do governo federal em propor um sistema previdenciário igual para todos os trabalhadores, sem privilégio para a categoria A ou B. Ainda que se apresente como mais justo tratar pessoas diferentes de forma diferente. Não estamos falando de “políticos”, obviamente! Mas de homem e mulher que têm profundas diferenças biológicas e culturais. Regra de aposentação igual para ambos os sexos pode ser injusto. No mercado de trabalho brasileiro, a mulher ainda ocupa espaço e percebe remuneração inferior à do homem.E o relevante papel que ela exerce como mãe e muitas vezes como mantenedora do lar legitimariam tratamento previdenciário vantajoso em relação ao homem.

Há consenso entre os especialistas de que a PEC da previdência é muito dura. Prevê-se um embate ferrenho entre a base aliada do governo no Congresso e a oposição, que defende interesses das Centrais Sindicais. As distorções do modelo previdenciário do pais são conhecidas. Privilégios e favorecimentos de castas à custa do sacrifício da maioria da população não são mais toleráveis. Mas exigências de país de primeiro mundo para um país de terceiro mundo também não o são. Fixar idade mínima de 65 anos para se aposentar; cobrar quarenta e nove anos de contribuição para se habilitar à aposentadoria integral; reduzir as pensões para valor inferior ao mínimo fazem parte de políticas liberais que pregam a redução dos gastos sociais e condenam investimentos não lucrativos.

Reformar, sim! Deformar, não!

Fonte: Mário Alves, sócio da Anasps e auditor fiscal do Ministério da Fazenda.

Previdência Social